O submundo do óleo usado. 40% entra nos circuitos da candonga

por Marta F. Reis, Publicado em 02 de Agosto de 2011  |  Actualizado há 10 horas | http://www.ionline.pt/conteudo/140752-o-submundo-do-oleo-usado-40-entra-nos-circuitos-da-candonga

Até ao final do ano os munícipios devem ter entre oito e 40 pontos de recolha. Mas quem recolhe?

Começa por ser uma história sobre reciclagem de óleo usado, mas acaba por se revelar um submundo onde há ladrões de oleões, queixas-crime, unidades de produção ilegais e biocombustível a ser comprado livre de impostos, directamente por proprietários de postos de gasolina. 
Em 2010, no sector doméstico, recolheram-se 16 853 toneladas de óleos alimentares usados. Só não ir parar à rede de esgotos significa livrar da poluição qualquer coisa como 18 milhões de litros de água. Outra leitura, revelou ontem ao i um proprietário de uma das primeiras empresas no sector, no Norte do país, é pensar no que rende este mesmo óleo no "mercado clandestino". M. M., que prefere manter o anonimato, diz que 30% a 40% estará nas mãos de "candongueiros com e sem alvará". Vendido como biocombustível, tratado ou por tratar, vale em média 600 euros a tonelada, menos de metade do preço do gasóleo. Num ano são 4 milhões de euros.
M. M. foi abordado pela última vez há 15 dias pelo proprietário de uma bomba de gasolina numa aldeia a 50 quilómetros do Porto. "Comprava-me uma tonelada de biodiesel por 800 euros. Chegou aqui com um tractor agrícola e era só carregar. Sem recibos sem nada." Recusou. "É um risco muito grande, temos 30 empregados, nome a manter. Mas às vezes dá vontade de aceitar, é uma revolta muito grande."
A reciclagem do óleo usado começou a ser formalizada em Setembro de 2009, com o Decreto-Lei 267/2009. A legislação diz que a reciclagem, "concretamente para produção de biocombustível, constitui uma importante mais-valia no actual contexto das políticas energéticas nacional e comunitária". Para M. M., estes propósitos revelaram-se um fracasso. "Hoje em dia, o óleo usado em Portugal é para falcatruas. Existe roubo de óleo por operadores licenciados e não licenciados, há carrinhas identificadas que roubam óleo a outras empresas. Nos oleões de rua o que temos é uma promiscuidade", acusa. Também um representante da Óleotorres, há 30 anos neste sector, diz ao ique a situação tem vindo a degradar-se. "Perdemos diariamente mil euros em óleo roubado. Já foram instauradas queixas-crime mas acaba por não haver resposta das autoridades. Estamos a falar muitas vezes de casos em que as empresas até podem ser licenciadas mas andam a roubar por trás, usam o nosso nome, os nossos contentores."
É António Pereira, director da empresa de recolha Biosys, quem alerta o i para o problema. Fazem a recolha de 30 oleões em Cascais. Desde Setembro perderam 40% da quota de mercado, diz. "Já tivemos situações de vir recolher e apanhar os contentores vazios ou não haver contentores." Em Fevereiro, num ponto de recolha em Tires, foi questionado por uma funcionária sobre a razão por que vinha recolher duas vezes no mesmo dia. "Ligámos para o número que a empresa até tinha deixado, alegando ser a nossa, e dissemos ao homem que voltasse para trás para recolher mais óleo. Quando o confrontei pegou no carro e fugiu." Nos acordos com as câmaras, a Biosys oferece o sistema de recolha e manutenção dos oleões - de implementação obrigatória até ao final do ano em todos os municípios. Em troca recebe a matéria-prima, que vende a 38 cêntimos o litro. "Quem rouba anda a vender a 20/25 cêntimos." 
É na requalificação para biodiesel que o óleo se torna mais apetecível, sobretudo com o aumento dos preços do petróleo. M. M. diz que este destino é quase o único no país. Aqui surge outro obstáculo: "Em Portugal a produção não é viável, só para autoconsumo: por exemplo para quem tenha camiões." Em Espanha, diz, consegue-se um rendimento três vezes superior. Rende exportar a matéria-prima ou então forjar a transformação e escapar aos impostos, acusa. E pelo meio deitar a mão a todo o óleo que aparece. "No Norte há uma unidade de transformação instalada num camião TIR." O representante da Óleotorres também reconhece que há unidades de produção ilegais, mas diz que a "pirataria" abrange todo o ciclo de valorização. "Devia haver fiscalização de todas as empresas licenciadas, da recolha ao destino final. Quando alguém chega a um restaurante e diz que é da Óleotorres naturalmente as pessoas acreditam. Só acontece porque há quem compre."

publicado por p3es às 01:22 link do post | comentar | favorito